domingo, 4 de julho de 2010

Bem Aventurados os Aflitos...


Amigos:

Recebi recentemente a seguinte correspondência:

Bom dia Paulo.


Cheguei até seu blog, através das traduções de alguns vídeos de Eckhart postados no you tube. Coincidência ou não, cresci ouvindo meu pai falar sobre Krishnamurti (presença ) e logo após seu falecimento, conheci Eckhart através da minha esposa, que talvez fale a mesma coisa, porém numa linguagem muita mais acessível e contemporânea, falo de Eckhart.

Assim como Eckhart, também na minha adolescência, sofri da doença do pânico, mas diferente do mesmo, obtive uma melhora em sessões de terapia. Ainda hoje, me sinto preso a certos condicionamentos, mas consigo entender que não sou essa voz dentro da minha cabeça...sei que essa voz é produzida pelo ego, e que portanto existe um eu mais profundo que devemos buscar, afinal esse eu mais profundo significa libertação.

Houve um momento em minha vida, que realmente senti uma bem aventurança, se é que posso chamar assim, uma vez que não se aproxima do que relata Eckhart, porém me vejo em alguns momentos, preso a esse eu ilusório, que toma as rédeas de minha vida me gerando sofrimento.

Como ter certeza? Como conseguir transcender e adotar esse estado de bem aventurança como seu estado de plenitude? Nesse mundo material, onde fica fácil observar tais comportamentos, traduzidos em grandes eventos de egoísmo, como deixar o presente entrar em sua vida, sem se preocupar com sua conta bancária? Estamos rodeados de compromissos, esposa, filhos, trabalho, as necessidades mais simples, para nos mantermos aqui nesse planeta, é essa questão que me aflige, e que me faz pedir ajuda.

Obs:. Espero que entenda meu comentário a seguir: tive dificuldade para interpretar os textos em seu Blog, acredito que falava sobre as sociedades que influenciadas pelo ego ilusório, deturparam a história, e transcreveram as mesmas para atender esse desejo e também que esse fato ( presença, percebida pelo eu mais profundo ) já ha muito vem sendo discutido, no entanto, a linguagem apenas se diferencia, uma das outras...ex: Eckhart X Krishnamurti, falam o mesmo, só que interpretam em linguagens diferentes.

Posso fazer outro comentário, o que acha das palavras do Eckhart quando diz "Viver é morrer antes que você morra, assim descobrirá que a morte não existe"

Muito prazer, obrigado.

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Minha resposta:

Bom dia amigo.

Assim como você há muitos outros que apesar das diferenças circunstanciais em suas histórias pessoais de vida trazem a marca do mesmo estado fundamental de consciência que é o que eu chamei de Consciência de Limite. Nesse sentido pode ficar certo que todos nós que trazemos (querendo ou não) essa Consciência de Limite não só nos reconhecemos imediatamente, como entendemos perfeitamente as questões e aflições que, por causa desse estado, nos acompanham muitas vezes desde crianças.

Esse estado de Limite é o esgotar das possibilidades de nossa atual consciência-ego: a consciência da posse, a consciência do conflito, a consciência do medo fundamental. E esse conflito se apresenta exatamente pelo atrito entre esse possuidor fundamental em nós que luta em permanecer, e a harmonia de uma emergente Nova Consciência - latente em nós -, a Consciência do SER.

O que Krishnamurti, Eckhart Tolle, assim como os ensinamentos gnóstico sagrados de todos os tempos dizem, em diferentes termos e estilos, mas sob os mesmos fundamentos, é que o Ego, por mais bem intencionada que seja sua vontade, não pode construir, apreender, essa nova Consciência SER. Tudo o que o Ego fizer pensando em agir como construtor, na verdade reforçará ainda mais sua posse, mesmo que seja uma posse de atributos mais sutis, excitantes, tomados indevidamente como libertadores.

Portanto, amigo, assim como no parto essa aflição espiritual só cessará quando a criança nascer. E parece que esse é um parto difícil.

Hoje em dia não só cada um da humanidade sofre essa tensão do limite como a própria civilização global egóica chega ao seu ponto crítico.

O que temos que fazer?

Primeiro: Daí a Cesar o que é de Cesar. As coisas correntes, triviais, materiais por mais insossas, penosas ou incomodas que possam ser devem ser resolvidas ou atenuadas material ou psiquicamente e não espiritualmente (até porque isso não funciona). Nosso trabalho, nossa família, nossa saúde física e psíquica devem e tem que ser cuidadas às nossas próprias custas segundo as obrigações e possibilidades que temos com nosso corpo, nossa cultura e nossa comunidade.

Segundo: Venha a nós o vosso Reino. Isto é, anelemos fundamentalmente por essa Nova Terra (tanto cósmica como microcosmicamente) tentando discernir nosso papel como homens de humanidade em transição, não tomando a Força Absoluta Sagrada como uma nova meta a ser conquistada ou possuída mediante qualquer método ou tecnologia de exploração “espiritual” a ser aprendida, exercitada e empregada.

Terceiro: Seja feita [ou: que flua] a Sua Vontade [do Pai] ou em outros termos: Aprendamos a OBSERVAR esse fluir. Isto é, percebamos que tudo o que se passa em volta ou em nós, simplesmente... se passa; é o que é, seja o que seja. Dispensa rótulos, julgamentos, definições ou intervenções intelectuais que os nomeie, conceitue, justifique, aceite, combata ou os tente transformar.

Esse terceiro ponto é o mais difícil de se abordar com e para a consciência Ego e porisso todo o esforço desses ensinamentos espirituais tenta apontá-lo sempre de novo, e de novo, e de novo, ...

E por fim: "Sede Transeuntes" (Evangelho Gnóstico de Tomé - dito 42)





Um abraço

Paulo Azambuja