sábado, 4 de janeiro de 2014

ALÉM DA CRENÇA: UMA ENTREVISTA COM ELAINE PAGELS

Amigos

Originalmente fiz essa tradução e publiquei na minha Linha de Tempo do FB. Como este texto foi bastante visto e comentado trago-o para o blog junto com alguns desses comentários

Traduzi e divulgo esse texto pois considero muito importante que as pessoas que se interessam pelos fatos históricos, arqueológicos e de religião comparada ("Relig-ião" no seu verdadeiro sentido, não institucional) tenham acesso a cientistas realmente qualificados ao invés de palpiteiros de ocasião com seus best sellers sobre origens características e existência da “gnósis”, “jesus” ... 

ALÉM DA CRENÇA: UMA ENTREVISTA COM ELAINE PAGELS

Dra Elaine Pagels
"Pagels é Professora de religião na Universidade de Princeton, e Ph.D. pela Universidade de Harvard.

Em Harvard ela fez parte de um grupo que estudou os rolos de Nag Hammadi. Dessa experiência resultou a base para o seu primeiro livro Os Evangelhos Gnósticos (The Gnostic Gospels,1979). Esse livro é uma introdução aos textos de Nag Hammadi para o público leigo e é, desde o seu lançamento, um best-seller. Nos EUA, ganhou os prêmios National Book Critics Circle Award e National Book
Livraria Saraiva
Award e foi escolhido pela Modern Library como um dos 100 melhores livros do século XX. No livro ela argumenta que a Igreja cristã foi fundada em uma sociedade que expunha numeráveis pontos-de-vistas contraditórios. O gnosticismo era um movimento não muito coerente e havia algumas áreas de desacordo entre as diferentes facções. O gnosticismo atraiu as mulheres em particular devido à sua perspectiva igualitária que permitia a sua participação em rituais sagrados."

Eis a entrevista de Elaine Pagels a Bill Moyers :

Pagels : Obrigado.

MOYERS :. O que é o Evangelho secreto de Tomé ?

Pagels : O Evangelho de Tomé é um texto bastante surpreendente. Consiste em apenas ... 

Editora Objetiva
Ele começa com as palavras: " Estas são as palavras secretas que o Jesus vivo falou e que Tomé anotou. "E todo ele são palavras de Jesus. Mas, diferentemente dos evangelhos do Novo Testamento, como o de Mateus e Lucas, este não traz um ensinamento público, mas sim ditos secretos. Fala sobre um Jesus que fala sobre cada um de nós a partir da luz primordial de Deus. Ele fala sobre todos os seres que vêm de Deus. O Evangelho de João do novo testamento diz que Jesus é a luz . Tudo se refere a Jesus . Jesus ensina que você tem que acreditar em Jesus, que você tem que seguir a Jesus. Mas o Evangelho de Tomé não é sobre isso .

Aqui Jesus fala sobre um caminho. E diz: "Você tem que encontrar o seu caminho. Você pode encontrar a luz divina dentro de si mesmo. Dentro de todos. Dentro de todo o ser."

MOYERS : Porque esse evangelho foi por tanto tempo desconhecido ? Não detectado ? Despercebido ?

Pagels : Bem, este evangelho tem um mistério por trás dele. Porque, aparentemente, este e muitos outros estavam circulando entre os cristãos logo no início do movimento. Mas ele desagradou muito a algumas autoridades da Igreja. Então, um dos arcebispos, no ano 367, escreveu uma lista para os monges no Egito e disse: "Livrem-se de todos aqueles livros secretos ilegítimos de que vocês tanto gostam. E mantenha só esses. " E aqueles que ele disse para manter são os que chamamos de Novo Testamento.

Todos os outros livros, incluindo o Evangelho de Tomé, o Evangelho de Filipe ,o Evangelho de Maria Madalena e muitos outros, foram queimados, jogado fora, e assim por diante. Mas alguém desobedeceu ao arcebispo. E em vez de queimá-los enterrou-os aonde eles foram encontrados em 1945.

MOYERS: Então, você acha que o Evangelho de Tomé, que estava escondido por todos esses anos, pode muito bem ter sido escrito ... provavelmente foi escrito por alguém próximo a Jesus, ou que conhecia alguém próximo a Jesus?

Pagels: Nós não sabemos quem escreveu este Evangelho assim como não sabemos quem escreveu qualquer um dos outros, na verdade. Eles são todos atribuídos a discípulos. Mas nós não sabemos.

Não é improvável - ou, dito de outra forma - é provável que alguns dos ditos aqui sejam palavras que Jesus falou. Na verdade, muitos dos ditos são os mesmos que você vai encontrar no Evangelho de Mateus e Lucas, no Novo Testamento. Mas alguns deles são bastante diferentes. Eles não são simples. Eles são uma espécie de quebra-cabeças. São “koans”. São feitos para provocar um atrito interior.

MOYERS: 'Koan' - esse é um termo budista, não é?

Pagels: Sim, é um termo budista. Isso significa que não é um ditado claro. Mas é uma frase enigmática. É poderoso. Nestas palavras, Jesus diz coisas como: "Se você manifestar o que está dentro de você, o que você manifestar o salvará. Se você não manifestar o que está dentro de você, o que você não manifestar o destruirá."

Então quando eu ouvir esse dito, eu penso: "Eu não tenho que acreditar nisso. Eu só sei que isso é verdade.” E isso pode ser verdade a nível psicológico. E eu acho também é verdade em um nível espiritual. Que nós precisamos encontrar os recursos espirituais dentro de nós mesmos. E de acordo com esse tipo de fonte, a razão que podemos encontrar dentro de nós mesmos, é a que virá a partir dessa fonte.

MOYERS: Por que o Evangelho de Tomé não é um texto oficial da Bíblia assim como Mateus, Marcos, Lucas e João?

Pagels: Isso faria a Bíblia muito mais interessante. Mas acho que as pessoas como o arcebispo que chamou os livros como estes Evangelhos secretos de ilegítimos, achavam que era muito perigoso dizer: "Bem, você pode sair e encontrar Deus em seu próprio interior. Você não precisa das crenças que a Igreja estabelece. Você não precisa do Bispo, você não precisa ir para a igreja. Você não precisa ser batizado.” Isso quer dizer que você pode tornar a igreja menos importante. E não seria um arcebispo que teria tal clareza de disposição.

MOYERS: Então, isso foi em que ano?

Pagels: Foi o ano 367 depois que a igreja se tornou a religião do Império Romano. Era o início do estabelecimento do cristianismo imperial.

MOYERS: E ...

Pagels: E foi nesse ponto que o Novo Testamento como o conhecemos foi moldado. Então, este livro é sobre o cristianismo como o conhecemos foi configurado. É uma tradição bastante notável. Mas há muito coisa que foi deixada de fora. E é isso sobre o que eu estou escrevendo.

MOYERS: O que isso lhe diz este Evangelho de Tomé, sobre a história do movimento cristão?

Pagels: O que muito me aqui fascina é quanto o cristianismo se transformou em um conjunto de crenças como, se as pessoas dizem: "Você é cristão?" E se, em seguida, você diz: "Bem, o que você quer dizer com isso?" E então eles usualmente costumam dizer coisas tal como: "Bem, você acredita que Jesus é ... sei lá ... o filho de Deus."

***
Seguem alguns comentários: 


Comentário de Euclides Bagatoli:  Budha viveu há seis mil anos e nós conhecemos seus ensinamentos e os praticamos; Sócrates e Platão - sabemos dos seus ensinamentos, os quais não diferem dos de Budha, em essência; Sabemos, de outros modernos - Ramana, Balsekar, Osho e tantos outros, e praticamos seus ensinamentos, que são direcionados ao despertar do ser humano. 

Sabemos, inclusive, de Maomé e conhecemos os de Jesus. Pergunto, o que é que a Igreja Católica ensina no sentido da auto salvação? Talvez seja por esta razão que aguardam o retorno de Jesus - as pessoas estão com sede da verdade. Poderiam matá-la, buscando na presença, na fala gravada em vídeo e nas palavras escritas dos Mestres a que nos referimos ou em outros, mas a Igreja os refuta, taxando-os disso e daquilo.


Comentario - Paulo Azambuja: Pois é Euclides. Como a Dra Pagels aborda nessa entrevista, a partir do sec. IV Constatino, o Imperador Romano, incorporou e oficializou a crença cristã e contemplou dentre os vário grupos cristãos pre existentes (muitos deles gnósticos como os de Valentino) aqueles grupos ortodoxos como os sucessores das idéias do bispo de Lyon, Irineu, e outros afins e assim fundou o "cristianismo imperial" que hoje, já moribundo, ainda é mais representado pela igreja romana. 

Portanto quando hoje falamos, por exemplo: "Eu sou Cristão", essa afirmação esta completamente comprometida com as graves deformações dai decorrentes, embora o gnosticismo historicamente já existisse antes da igreja imperial romana. 

Foi por isso que quando os Cátaros reviveram no sec. XIV aquele sagrado cristianismo original acabaram massacrados pelos exércitos do Papa. 

O que ocorre no entanto é que, poucos sabem, o cristianismo original tem um tesouro de grandes VERDADES exatamente apropriadas para essa nossa transição atual, pois foi para preparar a humanidade para essa transição apocalítica que Cristo se manifestou em Jesus. E é nos inteirando desses tesouros, que estavam em sua maioria perdidos e que foram recuperados com o achado dos Evangelhos gnósticos em 1945 numa caverna no Egito, que redescubriremos essa Gnósis Cristã de origem e sua atualidade e propriedade na nossa situação do mundo atual.

Comentario - Paulo Azambuja: Para os que leram o texto acima gostaria de fazer uma ressalva ao que Pagels diz sobre o Ev. de Joao: "O Evangelho de João do novo testamento diz que Jesus é a luz. Tudo se refere a Jesus. Jesus ensina que você tem que acreditar em Jesus, que você tem que seguir a Jesus." 

Na verdade é um pouco sutil essa questão de Jesus SER a LUZ o que em última instância remete para uma confusão generalizada Sobre Jesus-Cristo. Cristo é a LUZ! Não Jesus! Jesus é o HOMEM QUE SE CRISTIFICA, isto é que MANIFESTA, REFLETE limpidamente a luz que não é dele mas de CRISTO ao qual ele se integrou. "Porque me chamas de "bom mestre" não há um bom sequer". "Vocês podem fazer mais que eu".

Veja também neste blog:

O EVANGELHO GNÓSTICO DE TOMÉ

O Filho do Homem se TornaFilho de Deus