domingo, 4 de julho de 2010

Bem Aventurados os Aflitos...


Amigos:

Recebi recentemente a seguinte correspondência:

Bom dia Paulo.


Cheguei até seu blog, através das traduções de alguns vídeos de Eckhart postados no you tube. Coincidência ou não, cresci ouvindo meu pai falar sobre Krishnamurti (presença ) e logo após seu falecimento, conheci Eckhart através da minha esposa, que talvez fale a mesma coisa, porém numa linguagem muita mais acessível e contemporânea, falo de Eckhart.

Assim como Eckhart, também na minha adolescência, sofri da doença do pânico, mas diferente do mesmo, obtive uma melhora em sessões de terapia. Ainda hoje, me sinto preso a certos condicionamentos, mas consigo entender que não sou essa voz dentro da minha cabeça...sei que essa voz é produzida pelo ego, e que portanto existe um eu mais profundo que devemos buscar, afinal esse eu mais profundo significa libertação.

Houve um momento em minha vida, que realmente senti uma bem aventurança, se é que posso chamar assim, uma vez que não se aproxima do que relata Eckhart, porém me vejo em alguns momentos, preso a esse eu ilusório, que toma as rédeas de minha vida me gerando sofrimento.

Como ter certeza? Como conseguir transcender e adotar esse estado de bem aventurança como seu estado de plenitude? Nesse mundo material, onde fica fácil observar tais comportamentos, traduzidos em grandes eventos de egoísmo, como deixar o presente entrar em sua vida, sem se preocupar com sua conta bancária? Estamos rodeados de compromissos, esposa, filhos, trabalho, as necessidades mais simples, para nos mantermos aqui nesse planeta, é essa questão que me aflige, e que me faz pedir ajuda.

Obs:. Espero que entenda meu comentário a seguir: tive dificuldade para interpretar os textos em seu Blog, acredito que falava sobre as sociedades que influenciadas pelo ego ilusório, deturparam a história, e transcreveram as mesmas para atender esse desejo e também que esse fato ( presença, percebida pelo eu mais profundo ) já ha muito vem sendo discutido, no entanto, a linguagem apenas se diferencia, uma das outras...ex: Eckhart X Krishnamurti, falam o mesmo, só que interpretam em linguagens diferentes.

Posso fazer outro comentário, o que acha das palavras do Eckhart quando diz "Viver é morrer antes que você morra, assim descobrirá que a morte não existe"

Muito prazer, obrigado.

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Minha resposta:

Bom dia amigo.

Assim como você há muitos outros que apesar das diferenças circunstanciais em suas histórias pessoais de vida trazem a marca do mesmo estado fundamental de consciência que é o que eu chamei de Consciência de Limite. Nesse sentido pode ficar certo que todos nós que trazemos (querendo ou não) essa Consciência de Limite não só nos reconhecemos imediatamente, como entendemos perfeitamente as questões e aflições que, por causa desse estado, nos acompanham muitas vezes desde crianças.

Esse estado de Limite é o esgotar das possibilidades de nossa atual consciência-ego: a consciência da posse, a consciência do conflito, a consciência do medo fundamental. E esse conflito se apresenta exatamente pelo atrito entre esse possuidor fundamental em nós que luta em permanecer, e a harmonia de uma emergente Nova Consciência - latente em nós -, a Consciência do SER.

O que Krishnamurti, Eckhart Tolle, assim como os ensinamentos gnóstico sagrados de todos os tempos dizem, em diferentes termos e estilos, mas sob os mesmos fundamentos, é que o Ego, por mais bem intencionada que seja sua vontade, não pode construir, apreender, essa nova Consciência SER. Tudo o que o Ego fizer pensando em agir como construtor, na verdade reforçará ainda mais sua posse, mesmo que seja uma posse de atributos mais sutis, excitantes, tomados indevidamente como libertadores.

Portanto, amigo, assim como no parto essa aflição espiritual só cessará quando a criança nascer. E parece que esse é um parto difícil.

Hoje em dia não só cada um da humanidade sofre essa tensão do limite como a própria civilização global egóica chega ao seu ponto crítico.

O que temos que fazer?

Primeiro: Daí a Cesar o que é de Cesar. As coisas correntes, triviais, materiais por mais insossas, penosas ou incomodas que possam ser devem ser resolvidas ou atenuadas material ou psiquicamente e não espiritualmente (até porque isso não funciona). Nosso trabalho, nossa família, nossa saúde física e psíquica devem e tem que ser cuidadas às nossas próprias custas segundo as obrigações e possibilidades que temos com nosso corpo, nossa cultura e nossa comunidade.

Segundo: Venha a nós o vosso Reino. Isto é, anelemos fundamentalmente por essa Nova Terra (tanto cósmica como microcosmicamente) tentando discernir nosso papel como homens de humanidade em transição, não tomando a Força Absoluta Sagrada como uma nova meta a ser conquistada ou possuída mediante qualquer método ou tecnologia de exploração “espiritual” a ser aprendida, exercitada e empregada.

Terceiro: Seja feita [ou: que flua] a Sua Vontade [do Pai] ou em outros termos: Aprendamos a OBSERVAR esse fluir. Isto é, percebamos que tudo o que se passa em volta ou em nós, simplesmente... se passa; é o que é, seja o que seja. Dispensa rótulos, julgamentos, definições ou intervenções intelectuais que os nomeie, conceitue, justifique, aceite, combata ou os tente transformar.

Esse terceiro ponto é o mais difícil de se abordar com e para a consciência Ego e porisso todo o esforço desses ensinamentos espirituais tenta apontá-lo sempre de novo, e de novo, e de novo, ...

E por fim: "Sede Transeuntes" (Evangelho Gnóstico de Tomé - dito 42)





Um abraço

Paulo Azambuja

domingo, 20 de junho de 2010

O SEGREDO DO SAGRADO


Dentre as manifestações que com a proximidade de 2012 mais proliferam na internet vemos, sob perspectivas e especulações diversas, grupos que apontam um iminente resgate da humanidade por seres extra dimensionais - da quarta dimensão - que se nos apresentariam com uma elevada tecnologia espiritual não só salvando-nos dos crescentes problemas planetários em curso como também dotando-nos da tão proclamada Nova Consciência que segundo suas perspectivas é reduzida a uma aquisição de novos poderes tais como telepatia, teletransporte, consciência cósmica, etc. Não tenho dúvidas quanto à realidade dos fenômenos do tipo OVNI, Crop Circles, Abduções, etc. 

Porém quanto às suas origens e objetivos, que estão sempre acompanhadas de especulações de diversos matizes, nada tenho a concluir e me limito a acompanhar as informações divulgadas sob as crescentes e diversas tendências. 
No entanto quanto a considerada iminente manifestação pública e consequente tutela salvadora de seres tecnologicamente mais avançados oriundos dessa quarta dimensão e pertencentes à chamada  Federação Galática da Luz, a visão gnóstica, desde os primórdios do cristianismo, tem uma clara posição quando se refere à ilusão quanto à Falsa Luz ou, em outros termos, à Luz da Mescla.
Um dos mais destacados gnósticos cristãos, Valentino, já no século II abordava profundamente esse tema no seu tratado Pistis Sofia, do qual destaco o trecho abaixo que ilustra o quanto Sofia se iludiu com essa falsa luz antes de alcançar a verdadeira libertação (na 5ª Região):
“E Sofia, olhando do alto, viu essa força leonina nas regiões inferiores [4ª Região] e não sabia que ela pertencia a Authades, antes pensou que ela pertencia à luz que viu nas asas do tesouro da luz, e ponderou consigo mesma: eu irei para a minha sizígia e seu lugar, para que tome a luz que os eões criaram para mim, afim de que, através dela, eu possa subir para a altura das alturas”
Também Paulo, em Efésios 6 diz:  
“Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue mas sim contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais [4ª Região].”
"Brihadaranyaka Upanishad," in Yutang, L., ed. (1942).
The Wisdom of China and India, Modern Library, NY, Pg. 36
Por outro lado a quase unanimidade das manifestações esotéricas e ufológicas atuais tomam a referida perspectiva como redentora, um salto espiritualmente evolutivo.  Embora considerem que estes seres, como também a quarta região de onde provem, ainda lidam com a mescla do bem-mal - como inúmeros relatos de abduções e de retalhações de animais o atestam - proclamam que a tecnologia do lado bom da força controlará e sobrepujará o lado mal, nessa Guerra nas Estrelas e esperam que nessa próxima Era também a humanidade seja engajada nessa empreitada libertadora.   

Representando essa linha de pensamento trazemos como ilustração o pronunciamento do líder de um desses movimentos norte americanos, quando diz:
“Uma vez que chegamos ao outro lado, na 4ª dimensão, entramos numa nova realidade e nos tornamos criadores. Se, no entanto, o medo for a nossa criação somos mandados de volta. Portanto os únicos que ali permanecem são pessoas com amor que criam um mundo de amor. Esta é a dimensão pela qual os ETs fazem a sua entrada.”
No meu livro Atualidade do Cristianismo Gnóstico e nos respectivos clips da conta YouTube, embora sem muito aprofundar esse tema, não o deixei de abordar, como por exemplo na página 24 que corresponde ao clip YouTube: Atualidade do Cristianismo Gnóstico - Introdução 1 e 2 - LIMITES
“Acautelemo-nos também com os que, sem mesmo considerar o estado de nossos odres, nos oferecem o segredo do cofre da adega.

A nova consciência é o Santo Graal, e portanto é Sagrada!

Não é com o suposto mapa da mina e com alguma peneira, que o tesouro será cunhado sem maiores preparos e requisitos. O rio onde estão os diamantes conscienciais novos é revolto e avesso a explorações predatórias de improviso.

Já basta a devastação que fizemos nos últimos séculos com a exploração predatória e inconsequente dos recursos materiais do planeta e que agora mostram seus nefastos resultados. Muito mais violento será o fogo da resposta de uma consciência Sagrada violada.

Não se põe vinho novo em odres velhos, porque os odres rompem, o vinho entorna e assim se perdem os dois.”
Do artigo que escrevi: "Notas de apresentação do autor" para a divulgação do livro  
"Atualidade do Cristianismo Gnóstico)"  e que reproduzo na íntegra logo adiante no final desse artigo, extraio o seguinte trecho:
 
Já é o tempo do Limite e da Crise global.

Portanto precisamos, sem circunlóquios, deixar claramente registrado que o conceito e prática da Gnose Sagrada que professamos, propomos e divulgamos em nada se refere a invocações, sortilégios e mandingas protetoras, mesmo que encobertas e adornadas sob outras denominações mais exóticas e politicamente corretas. Também em nada tem a ver com as práticas ditas ‘espirituais’ ou ‘transcendentais’ que de modo apressado e forçante se propõe a revelar o ‘segredo’ da ‘fast-iniciação’, do domínio e apropriação privilegiada de forças cósmicas sutis, em benefício da sobrevida de nossa já exaurida consciência egóica, assim como do mundo que ela construiu e que está agora destruindo. E essas práticas visam, mediante a potencialização de estados orgásmico-kundalínicos alterados, transformá-la numa nova-energética-ego-consciência-turbinada.

Essas, para os gnósticos cristãos, sempre - desde o princípio - foram consideradas práticas relativas a Authades, o Demiurgo de Platão, o ‘Príncipe desse Mundo’ de Paulo.

Assim não damos a César o que é de Deus bem como não procuramos envolver Deus (nem o Deus gnóstico a isso se adequa) nos nossos problemas com César.”

Portanto o gnosticismo cristão sempre apontou, sob uma fundamentação profunda, essa condição de aprisionamento à falsa luz da inextrincável mescla do bem-mal, não só, como é mais óbvio, no mundo material da terceira dimensão mas também no mundo eônico, mais sutil, da quarta dimensão.

A cultura religiosa ocidental que reprimiu violentamente a manifestação desse esoterismo cristão transformou essa percepção gnóstica da mescla na exploração simplória do medo do inferno e do diabo, muito conveniente à estratégia de dominação do poder secular das instituições religiosas da ortodoxia cristã.

A partir do século XIX na lacuna deixada no ocidente pela repressão ao esoterismo cristão foi exportado do oriente, a partir da teosofia de Blawasky, o monismo oriental que no lugar do conceito dualista cristão original de harmatia (pecado, queda - desvio de objetivo) detacou a idéia monista de maya (holocaustos, pestes, bomba atômica, efeito estufa, tsunamis,etc; tudo didaticamente consentido por Deus - um professor insensível e severo – só para nos ensinar que tudo é ilusão, tudo é maya).

Isso se adequou bem à cultura americana e floresceu até o início desse século no esoterismo do tipo Nova Era que propõe a transformação, por evolução linear, do ego-mescla no ego-só-bom até o ego-amor-incondicional, que assim transcenderia da terceira para quarta dimensão. E isso seria realizado pela cultura de uma vontade centrada numa yoga praticada segundo uma tecnologia espiritual a ser aprendida em pacotes formatados de procedimentos, ministrados em seminários bem pagos e empresarialmente organizados.

Assim se deturpou até mesmo uma proposta monista mais profunda e elevada como bem indica o budista oriental radicado nos Estados Unidos, Chogyan Rimpoche, de quem mostro num clip YouTube a palestra: Rimpoche- Materialismo Espiritual.

Embora com uma abordagem não atrelada a qualquer doutrina, encontrei na forma, na prática e nas implicações dos ensinamentos de Krishnamurti e mais recentemente nos de Ekhart Tolle uma proposta bastante aderente a essas percepções gnósticas que aqui destaquei.

Como essa relação de afinidade que percebi parece um tanto estranha para muitos elaborei um conjunto significativo de clips de  Eckhart Tolle e Krishnamurti que a demonstram mais claramente.
Dentre eles destaco:

1-Eckhart Tolle & Krishnamurti - Instâncias do Agora, lista de reprodução em 5 clips:


As propostas esotéricas correntes ignoram a fundamental percepção gnóstica de que a consciência-ego não se transformará por seu próprio esforço na Consciência-SER qualquer que seja o treino e a dedicação a que sua vontade se submeta. A gnose sustenta que o ego, pelo ego, não se faz SER. Muito ao contrário, seu esforço, mesmo quando bem intencionado, só o faz mais preso à falsa luz da quarta dimensão, ao Gueena, ao reino de Authades.

Assim foi com interesse e surpresa que descobri recentemente, partindo do âmago desses movimentos esotéricos, algumas, ainda poucas mas significativas, manifestações baseadas em vivências pessoais de contactados típicos, já percebendo e denunciando a existência desse engano, dessa confusão esotérica, dessa orquestrada grande farsa, como a chamou, há mais de 50 anos, o eminente rosacruz e gnóstico holandês, Jan van Rickenborg.   
A mais significativa a que tive acesso foi a experiência do australiano George Kavassilas que em 2004 havia feito uma palestra na qual repetia a clássica confusão de apresentar a quarta dimensão com seus seres de luz como o lugar da ascensão e da redenção humana.

Mais tarde, em 2009, depois de passar por uma experiência que descreveu como uma tentativa desses seres em impor-lhe uma dominação mental, fez uma nova palestra, disponível em clips no YouTube, chamada - Our Journey & The Grand Deception : George Kavassilas -  da qual apresento alguns fragmentos:

“O processo de ascensão está nos levando da atual terceira dimensão até a quinta dimensão de nossa Terra para daí nos prepararmos para a verdadeira ascensão.

Quem são os que se auto intitulam: ‘Federação Galática da Luz’?

São seres muito lindos muito angelicais mas também muito malvados. Tem uma habilidade telepática de nos contactar. Telepatia é mental. A quarta dimensão é a dimensão mental.
O que esses seres fazem é usar sua tecnologia em nosso sistema nervoso dando-nos a sensação de euforia e assim nos enganando. Também replicam a verdadeira luz fazendo controle mental e colocando hologramas em nosso sistema.

A quarta dimensão é dividida em várias oitavas. Mas eles as apresentam como se fossem diferentes dimensões. Todos pertencem a esse grande império que vem desde as mais altas esferas da 4ª dimensão. São como um grande peixe num pequeno tanque.


Quando esses seres nos revelarem seu objetivo será para impedir que fiquemos nesse planeta e desse modo evitar que caminhemos em direção às portas dimensionais que nos levam à verdadeira ascensão. Eles virão vendendo ao mundo sua própria noção de ascensão.


Criaram também um falso corpo de luz que só atinge as partes mais altas da quarta dimensão.

Quando estamos aqui nas baixas vibrações da terceira dimensão e vemos um ser da quarta dimensão pensamos estarmos diante de um mestre ascencionado ou de um ser angélico e isso é o que eles nos tem feito por esses 6000 anos. Vão nos vender amor melhor que qualquer campanha de propaganda. Precisam fazer isso para entrar na posse de nossas mentes e corações, porque esses seres tem muito poder e se alimentam da adoração humanidade.

Se você se conecta com um mestre ascencionado e usa a energia desse ser para realizar sua cura eu duvidaria dele. Deveria questionar isso. Se há um contrato entre mim e esse ser tudo esta bem mas posso lhe assegurar que há muitos impostores nesse nível de realidade (4ª dimensão) .

Leiam as canalizações na internet: Sain Germain disse isso, Sain Germain disse aquilo...., todos falando coisas diferentes e há tantos diferentes Sain Germain que você pode imediatamente verificar que todos são impostores.
Sendo assim confie em seu coração.”

Paulo Azambuja


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Reprodução na íntegra do artigo:




Defrontamo-nos com o desafio de mostrar que o que trazemos nesse livro, além de ser algo completamente novo e desconhecido para a grande maioria dos “homens de boa vontade” - aqueles que ainda tem ouvidos para ouvir - quer sejam humanistas, religiosos ou esotéricos, também apresenta um conhecimento essencial às atuações apropriadas frente a crise global de limite de consciência, já em franca manifestação e recrudescimento, pela qual a humanidade está passando.

O CRISTIANISMO DO PRINCÍPIO

O Cristianismo Gnóstico do princípio é na verdade a interpretação profunda, essencial e absolutamente original do cristianismo, com uma teologia, uma cristologia, uma prática re-lig-iosa e uma organização hierárquico-institucional, fundamentalmente diferentes da visão proto ortodoxa, e sendo assim, será no mínimo uma surpresa para os que se dispuserem a conhecê-lo.

É um fato comprovado por estudos acadêmicos objetivos, que o cristianismo desde o primeiro século existia em suas vertentes gnósticas em grande destaque e contingente de seguidores, convivendo com os ramos proto-ortodoxos. Evidentemente havia litígios entre essas corrente que, no entanto, permaneciam mais em um nível ideológico de disputa. Esse contexto está muito bem exposto num clássico: “Os Evangelhos Gnósticos” da historiadora americana Elaine Pagels.[1]

A ortodoxia se tornou dominante quando ganhou poder imperial - o poder romano - a partir do século IV com a conversão do imperador Constantino. A partir de então, rompeu-se pela intimidação, desinformação, perseguição e aniquilação qualquer possibilidade de convívio entre essas duas correntes. O Cristianismo Gnóstico embora nunca tenha deixado de se manifestar nesses dois mil anos foi historicamente - mas não espiritualmente - derrotado. Por isso a denominação “cristianismo” passou a se referir exclusivamente às percepções, interesses materiais, disposições doutrinárias, dogmas, conquistas políticas e militares da instituição romana que assim se consolidou.

Assim também, a reforma protestante, que partiu de uma atitude corajosa de grande integridade e idealismo de Martinho Lutero, foi logo absorvida por interesses políticos e econômicos seculares da nobreza alemã. O protestantismo nunca sequer tentou buscar reformulações profundas a partir das bases transcendentes do cristianismo do princípio e sendo assim não logrou produzir nenhuma modificação fundamental em sua teologia. Além disso, quanto à prática, logo no início empreendeu pelos próprios seguidores de Lutero (com sua desaprovação) uma carnificina que não deixou nada a dever aos piores momentos da inquisição romana. 

Vivemos esses dois mil anos numa civilização construída sobre os fundamentos desse “cristianismo” e que agora nesse século se esgota. Desse modo estamos nos confrontando com os problemas globais resultantes das profundas contradições teológicas, morais e ecológicas, frutos do ocaso dessa “civilização judaico/cristã ocidental”. 

Nesse vácuo vem crescendo a influência de um grupo organizado de militantes do fundamentalismo reducionista materialista, tais como Richard Dawkins e Daniel Dennett, que sob uma retórica cientificista de fachada (sem nenhuma base experimental) vem se aproveitando da fraqueza teológica dos conceitos e práticas das igualmente fundamentalistas e reducionistas religiões tradicionais, particularmente desse referido “cristianismo”, logrando assim espaço para propor a sua suprema trindade ateísta: “Nada-Caos-Acaso”, como base para a construção de um novo fundamento ideológico do mundo da vida e da conduta moral.
Assim como se evidencia em nosso livro, o leitor também poderá se defrontar com a fragilidade e a parcialidade desses argumentos materialistas se assistir à palestra em vídeo que legendei do acadêmico e líder religioso gnóstico, Stephan Hoeller[2]

O CRISTIANISMO GNÓSTICO

Certamente a maioria dirá que entende gnosticismo mais ou menos como algo que se refere a uma relação mais íntima que teria havido entre Jesus e Maria Madalena e sua eventual descendência ou a outras especulações desse tipo. Os que percebem desse modo estão se referindo à gnose-Dan-Brown que certamente não tem nada a ver com gnose alguma. Alias Dan Brown é um escritor profissional e não deve mesmo ter nenhum outro compromisso a não ser com sua imaginação de ficcionista. Mas há algo que deve ser observado com atenção na fenomenal aceitação de seu livro, pois que caracterizou, ainda que de modo profundamente subconsciente, uma demanda coletiva atual, aquariana, por uma nova perspectiva em relação aos exauridos rótulos da cultura cristã ocidental.

No final da primeira metade do século XX um dos achados arqueológicos mais importantes do século acabou por resgatar a importância de uma profundidade espiritual reprimida e escondida por mais de um milênio. Num lugar desértico do Egito foram achados cópias do sec. IV, agrupadas em códices, de escritos do cristianismo gnóstico primitivo, a maioria deles já há muito considerada perdida. Recuperou-se assim um tesouro: a biblioteca de evangelhos gnósticos de Nag Hammadi. 

Após décadas de mirabolantes episódios (dignos de um roteiro de Dan Brown) que atrasaram sua divulgação nos quais a vaidade dos intelectuais então envolvidos foi um dos fatores destacados, os manuscritos foram finalmente divulgados em sua totalidade, a partir da década de 70. Uma nova geração de intelectuais passou então a ser a grande responsável pela divulgação e reconhecimento da importância e do caráter altamente revolucionário que o material trazia na compreensão histórica e teológica do cristianismo em suas origens e fundamentos, até então distorcidos e obscurecidos. E aqui sim, já podemos falar numa gnose, a gnose acadêmica.

É a gnose acadêmica que nos permite hoje afirmar de forma incontestavelmente objetiva que o cristianismo gnóstico não é uma elaboração tardia entremeada de retalhos, feita a partir de idéias helenistas e de outras origens “pagãs’ acrescentadas posteriormente ao pré existente “verdadeiro cristianismo”, mas sim uma prática cristã autêntica ocorrida a um significativo número de pessoas desde os primeiros momentos da manifestação crística do primeiro século concomitante às formações ortodoxas. 

Além disso, ao invés de uma mal alinhavada colcha de retalhos teológica, a percepção e a prática gnóstica se mostraram, sob uma análise metodológica especializada e criteriosa, como um sistema poderoso, profundo, coerente e integrado de idéias e práticas espirituais que ao mesmo tempo que compreendiam e potencializavam os grandes arquétipos das culturas religiosas anteriores, também os colocavam sob o enfoque absolutamente novo e revolucionário que caracteriza a especificidade da autêntica e profunda revelação do cristianismo. 

No entanto a gnose acadêmica se limita a elaborar estudos e conclusões dentro dos cânones reducionistas da prática científica. Não tem amplitude, por exemplo, para considerar como causa de uma autêntica manifestação gnóstica uma revelação subjetiva intensa e transformadora. Não cabe aqui nada de transcendente!

Assim considera tão somente um processo construtivo feito pela seleção de influências e conhecimentos de várias fontes que por fim, quando devidamente amadurecidas, se estruturam num produto final organizado, numa tese, numa doutrina. E só aí se pode academicamente falar no surgimento da gnose. É claro que não são desconsiderados os “insights” intelectuais criativos, desde que tão somente como contribuições coadjuvantes de um estado mental particularmente preparado, bem dotado e atento. 

Não parece, no entanto, razoável imaginar que alguns marceneiros, pescadores, cobradores de impostos, médicos, comerciantes, artesãos, e até (como dizem as más línguas ortodoxas) prostitutas formassem um grupo apto intelectualmente a produzir algo acadêmico da profundidade abrangência e dimensão histórica do cristianismo, mesmo do ortodoxo.

Certamente, alguma coisa aconteceu primeiro. 
Antes e bem acima de qualquer pesquisa, teologia, elaboração de doutrina ou de qualquer denominação, algo devastadoramente intenso, transcendente, gerou nesse grupo uma profunda transformação de consciência - não estou falando aqui de erudição ou intelectualidade, estou falando deconsciência.

E só assim considerando é que chegamos à Gnose na sua verdadeira dimensão: a Gnose Espiritual, Sagrada

E essa Gnose, como a divulgamos nos fundamentos desse livro, se refere à determinação do espaço do Divino, do Sagrado, assim como ao estado e ao papel de nossa limitada e exaurida consciência egóica atual quando enceta o processo de re-lig-ação ao seu estado original.

Já é o tempo do Limite e da Crise global. 

Portanto precisamos, sem circunlóquios, deixar claramente registrado que o conceito e prática da Gnose Sagrada que professamos, propomos e divulgamos em nada se refere a invocações, sortilégios e mandingas protetoras, mesmo que encobertas e adornadas sob outras denominações mais exóticas e politicamente corretas. Também em nada tem a ver com as práticas ditas “espirituais” ou “transcendentais” que de modo apressado e forçante se propõe a revelar o “segredo” da “fast-iniciação”, do domínio e apropriação privilegiada de forças cósmicas sutis ,em benefício da sobrevida de nossa já exaurida consciência egóica, assim como do mundo que ela construiu e que está agora destruindo. E essas práticas visam, mediante a potencialização de estados orgásmico-kundalínicos alterados, transformá-la numa nova-energética-velha-consciência-turbinada. 

Essas, para os gnósticos cristãos, sempre - desde o princípio - foram consideradas práticas relativas à Authades, o Demiurgo de Platão, o “Príncipe desse Mundo” de Paulo. Assim não damos a César o que é de Deus bem como não procuramos envolver Deus (nem o Deus gnóstico a isso se propõe) nos nossos problemas com César. E é aqui, acima de quaisquer rótulos ou pré-conceitos, que encontramos grandes afinidades com o ensinamento de Krishnamurti e Eckhart Tolle, dos quais traduzimos e editamos em nosso blog [3] várias palestras e das quais destacamos aqui as seguintes [4] e [5], que bem representam nossas afinidades.

A ATUALIDADE DO CRISTIANISMO GNÓSTICO

O Evangelho Gnóstico de Tomé [6], considerado pela maioria dos acadêmicos como o texto mais antigos do cristianismo, trazendo provavelmente ditos recolhidos diretamente de preleções de Jesus aos seus discípulos, é também aquele que mais se adéqua às genuínas necessidades espirituais da atualidade. Esse profundo e adequado alfa e ômega do cristianismo gnóstico bem se caracteriza pelo dito 10 colocado na capa de nosso livro e que diz: “Eu joguei fogo sobre a terra e eis que vigio até que arda”.

E esse fogo agora já arde. É hora, portanto, de pararmos de brincar com ele. 
Como diz Stephan Hoeller em [2]: “Esse é o tempo em que a Gnósis - o reconhecimento do Verdadeiro Divino - não é mais um luxo, mas uma necessidade absoluta”. 

RIO, 4/10/2009
PAULO AZAMBUJA

REFERÊNCIAS (em hiperlinks)

Alguns textos deste blog:


Outras Referências:

[2] A Batalha sobre Deus, Uma Posição Gnóstica . Stephan Hoeller YouTube: Pauloaza3