segunda-feira, 20 de maio de 2013

Krishnamurti e a Psicanálise




Interlocutor: É por isso que eu quero saber qual ação que o passado produziu como causa dessa cegueira. Certamente seria muito reconfortante.

Krishnamurti: Então você quer conforto, não compreensão.

I: E não são a mesma coisa? Entender é encontrar consolo. De que serve a compreensão se não trouxer o consolo?

K: Entenda um fato que pode ser bastante inquietante - a compreensão não precisa necessariamente trazer felicidade. O que você quer é conforto, é isso que você está procurando. É perturbado pela doença de seu filho e quer algo para lhe dar a paz. Chama a essa tranquilidade que busca de compreensão, mas o que o impulsiona não é para compreender, mas sim para se sentir confortado, e tem como objetivo encontrar uma maneira de acalmar a sua perturbação, e você chama isso de ‘buscar a causa’. 

Seu maior desejo é que o entorpeçam, é ficar quieto, e sua intenção é achar uma maneira de apaziguar esta perturbação. Encontramos muitas maneiras de adormecer: através de Deus, dos rituais, dos ideais, das drogas, etc. Nós fugimos da perturbação, e um dos escapes é a busca pela causa.

I: Por que não se iria querer estar livre da ansiedade?  Por que  não deveria querer evitar o sofrimento?

K: Por acaso a evasão impedirá que se sofra? Você pode fechar a porta para o desagradável, para o medo, mas ele ainda estará lá atrás da porta, não é? Aquilo que se reprime, aquilo a que se põe resistência não é entendido, certo? Você pode suprimir ou disciplinar uma criança, mas com certeza isso não a ajudará a entender. Você esta buscando a causa a fim de evitar a dor da perturbação, com essa intenção você busca e, naturalmente, vai encontrar o que busca.

Mas somente é possível se livrar do sofrimento quando você olha para o processo do sofrimento, quando você percebe cada uma de suas fases e percebe toda a sua estrutura.

Evitar o sofrimento só o intensifica.

A explicação da causa não é a compreensão da causa.

Mediante a explicação não nos livramos do sofrimento; o sofrimento segue existindo só que agora encoberto com palavras, com conclusões, quer sejam próprias quer sejam de outrem.
O estudo das explicações não é o estudo da sabedoria, a sabedoria só é possível quando explicações cessar. Você está buscando ansiosamente explicações que o adormeçam  e as achara; mas a explicação não é verdade. 

A verdade vem quando há observação sem conclusões, sem explicações, sem palavras.

[Até aqui os ensinamentos de K]


*****



Passo agora a fazer umas observações:

Vamos partir do: “Dai a César o que é de César...” 
  
Todos nós vivemos aqui a Vida-de-César e devemos ter muito respeito e cuidado com ela.

Essa Vida-de-César é essencialmente atrito num recorrente nascer, crescer, envelhecer morrer..., como nos ensina a roda de Sansara do budismo.

Certamente esse desgaste vai deixando suas marcas tanto físicas como psíquicas e temos que, temos mesmo a obrigação de, recorrer aos paliativos que se façam necessários para mitigar essas “dores” buscando na nossa cultura os recursos de alívio necessários.

Aqui temos o espaço legítimo da medicina tanto quanto nos alivia, por exemplo, com a receita desses  óculos, sem o qual não poderia nem mesmo estar escrevendo essas notas, e depois passando pelo tratamento para lenitivos ou superação de outras inevitáveis pequenas, médias e  grandes mazelas, chegando até mesmo a uma bem vinda assistência e conforto físico na hora da morte.

Aqui também nos casos psíquicos cabe perfeitamente o espaço de utilidade da psiquiatria e da psicologia na promoção de um, muitas vezes impossível sem sua ajuda, reequilíbrio interno e social de nosso ego, de nossa Vida-de-César psíquica. Lembremos que sem nem mesmo termos um ego relativamente ajustado nenhum processo visando sua superação ou transcendência (ou como quer que o queiramos denominar) pode ser realizado.

Para que o ego seja (ou se) “entregue” é evidentemente necessário que antes de tudo haja um ego funcionalmente razoável. 

No entanto, apareceu um grande equívoco que é o de se pensar que todo o problema humano, não só o pessoal como como de toda a espécie, é da categoria desses ego-problemas gerados na e por essa Vida-de-César que, para a ciência materialista já impregnada na nossa cultura comum É TUDO O QUE SOMOS.

E é no burburinho da confusão desse grande equivoco que a proposta de Krishnamurti e de muitos outros Homens de Gnósis (homens de sabedoria espiritual) esbarra num pseudo e sofismático mal entendido.

As primeiros a gerarem esse engano foram, num erro de avaliação do escopo e da categoria de seus limites, as pretensões de CURA da condição psíquica humana que os arautos da psicanálise (Freud e também Yung, mesmo que em um outro nível bem mais profundo de abordagem), proclamaram ou pelo menos induziram, respirando ainda a grande e pretenciosa ilusão racionalista dos fins do sec. XIV.

Isso porque, dando conclusão à frase que começou esse adendo temos: “Daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus

Em todo o seu ensinamento Krishnamuiri só fala, em CURA, e como esta falando no texto acima, em CURA PSÍQUICA - DA ALMA, fundamental para a Volta à Casa do Pai, à Vida-em-Deus.

E para a Vida-de-César o voltar se, como faz o Filho Pródigo, para o Retorno à Casa do Pai ou o Retorno à Vida-em-Deus é LOUCURA. 

E para o ego que: “Deve diminuir para que o EU [o Outro]  possa crescer” ou que é aconselhado:  “Vai larga tudo que tens e segue-me”, essa LOUCURA QUEIMA.

Como é dito no Evangelho Gnóstico de Tomé 

“Eu lancei fogo sobre a terra [e sobre cada homem] e aguardo até que arda”  (*)

Quem  não entender e distinguir profundamente isso vai discutir com Krishnamurti inconclusivamente à exaustão. 

Paulo Azambuja 

 (*)Veja também nesse blog: